Bom livro para começar a entender Economia e Política na visão cristã

Já conhecia Wayne Grudem desde 2010, quando adquiri a sua Teologia Sistemática, e gosto muito da forma como ele escreve e organiza seus pensamentos, mas não sabia que ele discorria tão bem sobre política, que é um assunto que me interessa há muitos anos. Estava verificando o site da editora Vida Nova à procura de livros com essa temática e fiquei surpresa com as obras desse autor sobre o assunto. Economia e Política na Cosmovisão Cristã – Contribuições para uma teologia evangélica foi o primeiro livro que li de Wayne Grudem sobre política e fiquei muito satisfeita com a assertividade e clareza do texto.

A obra em questão na verdade é um compilado de cinco artigos a respeito da visão cristã na política e economia de uma nação assinados por Grudem e também pelo conceituado economista Barry Asmus. O livro foi organizado pela editora Vida Nova depois do 10º Congresso Brasileiro de Teologia Vida Nova, realizado em 2016, quando o Brasil teve o privilégio de receber o Dr. Wayne Grudem, eminente teólogo especialista em Novo Testamento, Teologia Sistemática e em temas relacionados à Teologia Prática. Grudem contribuiu no congresso especialmente sobre a influência cristã no contexto político e econômico das sociedades.

No primeiro artigo, o teólogo defende o que ele chama de “influência expressiva cristã” no governo. Ele afasta as desculpas e medos que muitos cristãos têm para se oporem à política e lembra que há inúmeros personagens bíblicos que exerceram forte influência sobre decisões de grandes governantes não cristãos. Ele cita exemplos como Daniel, que exercia grande influência no governo da Babilônia, sendo alto funcionário da corte de Nabucodonosor. O profeta, de maneira ousada, disse ao rei que ele precisava abandonar seus pecados, praticar a justiça e usar de misericórdia para com os pobres. Ele cita também José, que teve grande influência nas decisões de Faraó e posteriormente Moisés. Neemias, que era copeiro do rei Artaxerxes, da Pérsia, Mardoqueu e Ester, que influenciaram decisões do rei Xerxes.

O autor cita também várias outras passagens no Antigo Testamento sobre a influência do povo de Deus em governos não judaicos e pessoas que também assim o fizeram no Novo Testamento, como João Batista – que morreu por falar ousadamente sobre o pecado de Herodes – e o próprio apóstolo Paulo quando foi preso pelo governador romano Félix, em Cesareia, e dialogou com ele acerca de governo e justiça, deixando o político com medo do juízo vindouro ao ponto de mandar soltar o apóstolo. Além disso, Grudem expõe Romanos 13 e 1Pedro 2, passagens mais específicas sobre a responsabilidade dos cristãos junto ao governo.

O que me chamou a atenção foi a sabedoria do teólogo em dizer categoricamente que não necessariamente devemos apoiar candidatos cristãos, mas aqueles – independente da fé que professem – que “melhor representem os valores morais e políticos consistentes com o ensinamento bíblico, independente das convicções ou dos antecedentes religiosos desses candidatos” (página 45). Ele destaca a obrigação que todo cristão tem em conhecer bem o candidato e a responsabilidade que as lideranças eclesiásticas têm em ensinar quais são os critérios que levam o cristão a glorificar a Deus na esfera política. Por exemplo, observar quem defende a proteção da vida na gestação, quem é contra pornografia e pedofilia, quem é a favor da proteção dos mais vulneráveis, quem defende ABSOLUTAMENTE a liberdade religiosa, etc.

Grudem também põe um fim sobre ideias equivocadas de cristãos quanto ao tema. Ele é contra a ideia de que o governo deva impor qualquer tipo de religião, inclusive a cristã. “Várias passagens bíblicas mostram que a ideia de que ‘o governo deve impor uma religião’ é incorreta e contrária aos ensinamentos da Bíblia como um todo” (página 16). Ele afirma que Jesus e os apóstolos sempre argumentavam, dialogavam e ensinavam, mas nunca impunham a fé em ninguém, pois é impossível impor uma fé autêntica; e segundo que Jesus fez diferença entre o reino de Deus e o de César e, portanto, a liberdade religiosa é um princípio bíblico.

A segunda ideia que Wayne Grudem é contra é aquela que defende a exclusão da religião. Os defensores dessa ideia não querem que haja orações nas escolas, nem estudos bíblicos dirigidos por alunos, por exemplo, e sequer menção à fé pessoal de cada cidadão em qualquer atividade pública. Para ele, a ideia restringe a liberdade religiosa e de expressão dos indivíduos. “Expressar uma opinião religiosa em público não é obrigar as pessoas a aceitá-la” (p. 21). Grudem também rebate a ideia defendida por alguns cristãos que diz que todo governo é perverso ou demoníaco.

Ele rebate também a opinião de que a igreja deve se dedicar à evangelização e não à política. Nesse sentido, defende que o conceito de “boas obras” também está relacionado a atos de governo, mostrando exemplos de como ao longo da história governos foram influenciados por princípios cristãos e como toda a sociedade (composta por cristãos e não cristãos) foi abençoada por isso. O teólogo rebate também a ideia de que os cristãos devem se dedicar às questões políticas e ignorar a evangelização. “O movimento do evangelho social ganhou seguidores principalmente entre protestantes liberais e não entre grupos protestantes evangélicos mais conservadores” (p. 36).

Saindo do maior artigo do livro, no segundo, assinado também por Grudem, encontramos argumentos significativos sobre o papel do governo na regulação do mercado e a desigualdade econômica. Quando ele entra nessa questão, é humilde ao afirmar que o seu pensamento está mais ligado à lógica da aplicação de princípios bíblicos do que no campo de ensinamento explícito das Escrituras. Para ele, o livre mercado é quase sempre a melhor alternativa para resolução de problemas econômicos e defende a interferência mínima do estado. Para isso, ele assegura que não há na Bíblia nenhuma passagem que afirme que Deus queira ou se agrade de o governo ter o controle sobre os negócios de quem quer que seja. Afirma também que a Bíblia adverte governantes que usem do poder para tomar os pertences legítimos do povo, a Bíblia também fala sobre proteção da propriedade privada e também dá valor à liberdade humana, no sentido de permitir as pessoas a escolherem trabalhar no que preferirem. “A história mostra repetidas vezes que o livre mercado traz melhores resultados do que uma economia controlada pelo governo” (p. 51).

O autor lembra que a Bíblia enfatiza que tanto ricos quanto pobres devem ser tratados com equidade e justiça (Êxodo 23.3,6) e que há vários versículos nas Escrituras que nos ordena a cuidar dos pobres. No entanto, ele defende que “para aqueles que desejam ajudar os pobres e vencer o problema da pobreza, o seu objetivo principal não deve ser aumentar as benesses do governo, mas oferecer incentivos e condições adequadas para que as empresas particulares cresçam e prosperem e, consequentemente, criem empregos que serão a única solução em longo prazo para a pobreza e a única maneira de os pobres adquirirem a dignidade e o autorrespeito que são resultado de se sustentarem” (p. 57).

Gostei demais do terceiro artigo, também assinado por Grudem. Ele tratou sobre desobediência civil e participação em protestos pacíficos. O teólogo deixa claro que a desobediência civil é apenas permitida por Deus se o governo estiver incentivando algo que desagrade ao Senhor ou impedindo o cristão de fazer algo que Deus ordene. Tomando como base a ordenança do governo para os apóstolos deixarem de evangelizar, história registrada no livro de Atos, Grudem afirma: “Deus requer que o seu povo desobedeça ao governo civil nos casos em que a obediência ao governo implique, de fato, desobediência a Deus” (p.60).

O autor lembra da desobediência civil de Ester, onde o ato a levou a obedecer o “amai ao teu próximo”, algo que se ela não tivesse feito, demonstraria claramente falta de amor pelo seu próprio povo. Lembra da desobediência civil de Moisés, pedindo a Faraó para que o povo judeu pudesse ir embora. Ele cita exemplos recentes de irmãos que se recusaram a oferecer seus dons artísticos para celebração de um casamento gay e tiveram suas empresas multadas nos Estados Unidos.

Os quarto e quinto artigos são assinados por Grudem e Barry Asmus, um economista cristão autor de nove livros e ganhador de diversos prêmios. No quarto artigo, eles defendem que o direito de propriedade é inerente ao oitavo mandamento (“Não roubarás”) e é imprescindível para a prosperidade humana. É interessantíssimo como os pensadores colocam o oitavo mandamento como implicador dos direitos de propriedade privada. Eu nunca havia percebido isso. Realmente, no Antigo Testamento há inúmeras passagens em que Deus favorece a proteção da propriedade privada e a punição daqueles que furtam ou roubam os bens do próximo, mas nunca havia parado para analisar que essas passagens tem ligação com o “não roubarás”.

“Se o próprio Deus ordenou ‘não roubarás’ e se nesse mandamento o próprio Deus estabelece um sistema de propriedade privada, então a conclusão imediata é que somos responsáveis por prestar contas a ele pela maneira que utilizamos esses bens. Com certeza, essa é a perspectiva da Bíblia: a posse de nossos bens não é absoluta, mas somos administradores que terão de prestar contas de nossa administração. Isso ocorre porque, em última análise: ‘Ao SENHOR pertencem a terra e tudo o que nela existe, o mundo e os que nele habitam’” (Sl. 24.1). (p. 82).

Os autores entendem que Deus nos concede a propriedade privada para termos oportunidade de realização humana e expectativa de realização humana, esta última quando Deus nos torna administradores dos bens. “Deus nos criou não apenas para sobreviver na terra, mas também para prosperar nela” (p. 85). Para os escritores, os seres humanos, diferente dos animais, glorificam a Deus ao alcançarem muito mais do que a mera sobrevivência. Eles defendem também a propriedade privada de talentos e tempo e sua administração. Mostra como governos no mundo roubam das pessoas a propriedade privada e como, através disso, conseguem manter a população sempre na pobreza.

O quinto artigo é muito valioso, tanto para quem tem empresa quanto para quem é empregado. Ele trata de como a cosmovisão cristã é importante para os negócios e o que acontece quando a ignoramos. Quando se perde a cosmovisão cristã, corremos o risco de perder a crença de que somos moralmente responsáveis diante de Deus, arriscamos perder a crença na bondade moral dos negócios e na bondade moral da iniciativa privada, além de podermos perder a crença na bondade moral do trabalho produtivo. Por fim, corremos o risco de perdermos a concepção do tempo e da história plenos de esperança, sempre caminhando para o alvo final, que é Cristo.

O livro é extremamente atual e altamente recomendado a quem deseja entender como podemos iluminar o mundo através da nossa visão cristã sobre política e economia. A obra incentiva e direciona cristãos interessados em fazer mais no campo político e ter mais consistência bíblica para enfrentar o desafio. É de linguagem simples, bem fininho, é básico e leva o leitor a se interessar mais sobre o assunto. Muito bom!


Ficha técnica

Obra: Economia e Política na Cosmovisão Cristã – Contribuições para uma teologia evangélica

Autores: Wayne Grudem (teólogo) e Barry Asmus (economista)

Editora: Vida Nova

Páginas: 128

Ano: 2016

Preço na editora: R$ 22,33

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