Mais um livro que comprei há mais de dez anos e acabei lendo somente este ano de 2023: Septuaginta: Guia Histórico e Literário, do teólogo e pastor Esequias Soares. Eu adquiri essa obra em 2011 e veio bem a calhar hoje, pois ela é praticamente a cópia de uma das disciplinas do curso de pós-graduação que estou fazendo pelo Instituto Reformado de São Paulo (IRSP). Procurei na internet e percebi que o livro foi descontinuado pela editora Hagnos. Tem uma unidade usada para vender no site do Amazon, mas com o valor absurdo de quase cem reais, um livro de 109 páginas. Pois é, quando o produto é escasso, o valor é exorbitante.
Quem é reformado não precisa ter receio do autor, pastor da
Assembleia de Deus. A formação teológica dele é muito boa (graduado em Letras
Orientais – Hebraico, pela USP; e mestre em Ciências da Religião, pelo
Mackenzie. É professor de Hebraico, Grego e Apologia Cristã e autor de outros
livros) e a obra é um compêndio da história da formação da Septuaginta. Eu
sinceramente não sei por que as editoras cristãs muitas vezes descontinuam bons
livros, não é a primeira vez que vejo isso acontecer.
Eu achei muito interessante o cuidado dos editores em publicar
os alfabetos hebraico e o grego logo no início do livro. Para leigos, como eu,
isso é fantástico. O apêndice é lindo: há anexos de fotografias dos papiros da
Septuaginta (LXX) que são datados de 275 e 325 a.C. e de outros textos que
foram revisões da Septuaginta original. Temos também a lista de livros do Cânon
Judaico, a lista do historiador Flávio Josefo e o Cânon Alexandrino.
Uma das coisas que mais despertou a minha atenção foi a
explicação do autor sobre a importância da descoberta dos escritos de Qumram,
os famosos escritos do Mar Morto, descobertos no século XX. Esses escritos
confirmam a veracidade da tradução da Septuaginta, que possui textos diferentes
do cânon hebraico. A grande chave para desenrolar a questão é que o texto vorlage
(vorlage é a matriz usada para se fazer uma tradução) para se fazer a
tradução do hebraico para o grego utilizado pelos tradutores da Septuaginta não
era o texto fechado do Cânon Judaico, pois na época em que a Septuaginta foi
escrita, o Cânon Hebraico ainda estava em processo de fechamento, ou seja, de
fato, os tradutores transcreveram para o grego aquilo que estava em hebraico,
sendo este último um texto diferente do que temos hoje – o que temos atualmente
corresponde ao Cânon Judaico fechado, fato que ocorreu por volta do século II
a.C.
Mas o livro ainda tem outras informações interessantes. Logo
no início, o autor vai explicar por que foi dado o nome de “Septuaginta” à
primeira tradução do texto hebraico do pentateuco para o grego. Há uma versão
que afirma que 72 judeus, bem instruídos e versados na língua hebraica, se
reuniram para tal ato, a fim de que o texto pudesse ser inserido na grande Biblioteca
de Alexandria. Os Pais da Igreja, como Agostinho, Eusébio, Jerônimo, dentre
outros, arredondaram o número para 70 homens, mas é fato que historicamente
ninguém sabe ao certo quantos realizaram o feito.
Uma carta pseudoepígrafa (o termo corresponde aos escritos que
nunca foram aceitos no cânon judaico, nem cristão), conhecida como “Carta de
Aristeia a Filócrates” vai descrever como se deu a história da construção da
Septuaginta, mas atualmente ninguém acredita na veracidade total do texto. O
que se pode ter certeza hoje é que a tradução foi um provável pedido de algum
responsável pela Biblioteca de Alexandria que sabia da existência de escritos
hebraicos e gostaria que eles ficassem registrados na grande biblioteca. A
pedido dessa pessoa – ou do rei ou de alguém importante da época – os escribas
judeus foram contatados para tal tarefa. Encontrei um blog com a única tradução
da Carta de Aristeia para a Língua Portuguesa neste site aqui: https://escola-ebd.com.br/epistola-de-aristeas-apocrifo/
Em alguns textos, como no livro, encontramos o termo “Aristeia”, em outros
encontramos “Aristéa”.
Vale ressaltar que a Septuaginta, com todos os livros do Antigo
Testamento, não foi organizada toda de uma vez. A primeira tradução tratou-se
apenas do Pentateuco. Posteriormente, com o passar dos anos, os demais livros
foram sendo traduzidos e, infelizmente, junto aos livros canônicos hebraicos,
foram traduzidos alguns livros apócrifos e pseudoepígrafos. Por causa disso, a
versão do Cânon de Alexandria – outro termo usado para a Septuaginta – tem
livros a mais e trechos introduzidos deliberadamente em alguns livros canônicos
que nunca foram aceitos pelos judeus.
No meio desse trabalho de tradução, Jerônimo, um dos Pais da
Igreja, no final do século IV começou a traduzir a Bíblia para o latim, que se
tornou a conhecida “Vulgata Latina”, utilizando o texto da Septuaginta. Ele
traduziu os apócrifos, ciente que eram apócrifos, e deixou notas explicativas
informando que os textos foram traduzidos por caráter histórico, e não canônico,
mas, no final das contas, a Igreja Católica Romana, de maneira arbitrária, instituiu
tais textos como canônicos. Daí surgiu a diferença entre os cânones hebraico (utilizado
pelos protestantes) e católico.
Outra informação interessante que descobri com o livro foi que
a LXX (termo utilizado para se referir à Septuaginta) foi escrita com grego
vulgar, um dialeto chamado Koiné, que estava em sua fase inicial. Este é o
grego também do Novo Testamento e também dos textos dos Pais da Igreja.
O escritor vai explicar também sobre outras versões gregas da
Septuaginta e as recensões (revisão deliberada e sistemática de um texto
inteiro) que ocorreram com a Septuaginta, como as cristãs, a recensão de
Héxapla, de Hesíquio e a mais famosa, a de Luciano. Ele vai explicar também o
que é o Codex Vaticanus, o Codex Sinaiticus, o Codex Alexandrinus e o Codex
Ephraemi Rescriptus.
O livro vale muito a pena ser lido.
Ficha técnica
Obra: Septuaginta: Guia Histórico e Literário
Autor: Esequias Soares
Editora: Hagnos
Páginas: 109
Ano: 2009
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