Este é o
terceiro livro da série “Um perfil de homens piedosos” que leio. Sinclair
Ferguson, admirador convicto de John Owen, inicia o livro escrevendo sobre a
vida deste teólogo inglês do século XVII. A obra “A Devoção Trinitária de
John Owen” é curta e objetiva. Em cem páginas, o autor consegue contextualizar
a vida desse pastor congregacional e discorrer sobre a ênfase que Owen concedeu
ao longo de seu ministério à doutrina da trindade.
John Owen
nasceu em 1616, na Inglaterra. Filho de pastor, fazia parte de uma família que seguia
os princípios do puritanismo protestante. Recebeu uma educação bem clássica:
filosofia, lógica, matemática, história antiga, astronomia, grego e hebraico.
Versadíssimo em Latim, também cuidava do próprio corpo, exercitando-se através
de corridas, arremesso de dardos e era estudante de flauta. Era tão sério como
estudante que chegava a dormir apenas quatro horas por noite. A intenção dele
era obter grau de Bacharel em Divindade, algo que se conseguia através de um
curso de aproximadamente sete anos. No entanto, naquela época, o rei Carlos I
havia proibido temas referentes ao calvinismo e estava, junto ao novo reitor,
catolizando a universidade de Oxford, misturando a liturgia do culto com o
arminianismo. Owen acabou saindo de lá para tornar-se capelão da família e
tutor na casa de Sir Robert Dormer e depois da casa do Lorde Lovelace. No
entanto, como o Lorde apoiava Carlos I contra o parlamento, Owen se mudou e foi
viver em Londres. Quando ele chegou a Londres, a Guerra Civil inglesa estava eclodindo.
De acordo
com o revelado em seus escritos, John Owen era um homem cordial e gentil. Ele
mantinha diários, como fizeram muitos puritanos, e, através dos textos, Ferguson
conseguiu perceber que ele, por volta dos vinte anos de idade, não tinha segurança
resolvida de que pertencia a Cristo. Ele foi designado para servir como
ministro na igreja de Fordham, em Essex, e então casou-se com Mary Rooke, que
lhe concedeu onze filhos, mas apenas um alcançou a fase adulta. Ele já havia
chegado à atenção do público quando foi convidado para pregar no Parlamento.
Depois disso, foi servir a congregação de São Pedro, também em Essex. Logo
depois conseguiu juntar uma comunidade seguindo linhas congregacionais.
De acordo
com o autor do livro, o pensamento de Owen tinha se desenvolvido a partir da
perspectiva mais presbiteriana, mas, depois de ler o livro do
congregacionalista John Cotton intitulado “As chaves do reino do céu”, ele se
convenceu do governo eclesiástico do estilo congregacional. Para Sinclair, Owen
“manteve uma forma flexível de presbiterianismo-congregacional, reconhecendo que
a congregação era a igreja em qualquer lugar específico, contudo, consultava
outras congregações em questões de interesse ou preocupações em comum” (p. 24).
O escritor
da obra conta que o ministério de Owen começou a interagir com a vida do famoso
Oliver Cromwell, o general que mais tarde governaria como Lorde Protetor da
Comunidade Britânica (Inglaterra, Escócia e Irlanda). O pastor foi convidado
para pregar para as tropas inglesas e tornou-se amigo de alguns oficiais. No
ano seguinte, ele pregou no Parlamento, um dia depois da execução de Carlos I.
No dia, ele pregou sobre humildade e firmeza em face ao sofrimento. Três meses
depois, foi novamente convidado, momento em que conheceu Cromwell.
No entanto,
quando Owen acompanhou 12 mil soldados que cantavam os Salmos e sitiaram uma
cidade na Irlanda, tendo Cromwell como liderança militar – muito embora não
estivesse de fato presente ao ocorrido –, ao saber sobre a frieza e falta de
misericórdia deles, Owen repreendeu o Exército afirmando que os irlandeses
deveriam ter o direito de ouvir o evangelho e conhecer o verdadeiro Cristo. Em
1649, Owen tornou-se pregador oficial do Palácio de Whitehall e, em 1651, por
indicação de Cromwell, tornou-se vice-chanceler da Universidade de Oxford. Esse
foi o período que Owen mais escreveu.
Ele não somente foi chamado a pregar diante do Parlamento e
em outras ocasiões cívicas, como também servia como um dos ‘examinadores’
encarregados de avaliar a aptidão para o ministério do evangelho. Ele era
frequentemente consultado, tanto por políticos quanto por pastores, em especial
por Cromwell, nas questões de importância nacional e eclesiástica. (FERGUSON,
p.29).
Entretanto,
o Parlamento começou a ficar espiritualmente morto e Owen começou a ficar “profundamente
perturbado”, de acordo com Ferguson, em 1657 com propostas ventiladas de que
Cromwell deveria ser rei. Por causa da postura contrária a essa ideia, ele
perdeu o fácil acesso que tinha a Cromwell, sendo mais tarde atacado por
teólogos anglicanos. E foi assim que a liderança de Owen se encerrou em 1657 na
Universidade de Oxford. Mas ainda permaneceu como decano da Igreja de Cristo até
o retorno da monarquia, em 1660.
Em 1658,
durante seus últimos anos em Oxford, Owen participou de um ajuntamento com
cerca de cem igrejas independentes que se reuniram no Palácio de Savoy, em
Londres. Eles desenvolveram uma declaração de fé conhecida como Declaração
de Fé e Ordem de Savoy, cujo longo prefácio acredita-se que tenha sido
escrito pelo próprio Owen. É uma declaração parecida com a Declaração de Fé de
Westiminster, de 1647, mas suas modificações maiores são com relação à
discussão sobre arrependimento, houve o acréscimo do capítulo sobre o evangelho
e a extensão da graça e uma seção “totalmente reescrita sobre os limites da
autoridade dos magistrados com respeito à igreja” (FERGUSON, p. 31). A Declaração
de Savoy é a declaração de fé oficial dos congregacionais,
denominação a qual sou oriunda, onde iniciei minha fé cristã na infância e
permaneci até meus 26 anos, quando casei com um presbiteriano. Muito embora os
congregacionais brasileiros não sigam a Declaração de Savoy, ela, para mim,
resume bem o que de fato creio com relação à minha fé.
O rei Carlos
I foi executado em 1649 e o Parlamento aboliu a monarquia, porém, com o
fracasso do filho de Cromwell em se tornar Lorde Protetor inglês, o Parlamento
o removeu do cargo e restaurou a monarquia em 1660. Carlos II foi coroado rei
em 1661. A restauração da monarquia gerou tempos sombrios para os não
conformistas, ou seja, os protestantes independentes. Owen e todos os adeptos
não conformistas foram proibidos de ocupar cargos públicos. Em 1662, foram
proibidos de ocuparem cargos em igrejas, cerca de dois mil pastores foram expulsos
da Igreja da Inglaterra e no mesmo ano reuniões de não conformistas foram
proibidas. Em 1665 os pastores foram proibidos de viverem dentro de cinco
milhas de qualquer lugar em que antes tivessem ministrado o evangelho. Owen
rejeitou se conformar e continuou ministrando a grupos de crentes. Embora quase
preso em diversas ocasiões, nunca foi realmente encarcerado.
Em 1675,
Owen ficou viúvo, casando-se um ano e meio depois com uma viúva. Naquela época,
o pastor sofria de asma severa e pedras na vesícula. Às vezes, ele ficava
doente demais para pregar. Na noite de 24 de agosto de 1683, 21 anos depois da
expulsão de 2 mil ministros da Inglaterra e no aniversário do massacre da Noite
de São Bartolomeu – quando cerca de 30 mil protestantes foram trucidados pela
coroa francesa –, John Owen encontrou-se com Cristo, aos 67 anos de idade.
COMUNHÃO
COM O PAI, O FILHO E O ESPÍRITO
Logo após
discorrer sobre a vida de John Owen, Sinclair Ferguson mostra como Owen
enfrentou ataques quanto aos estudos sobre a trindade. Se hoje, os crentes
enfatizam mais a vida cristã prática e têm pouca paciência em estudar a
trindade, naquela época o teólogo inglês enfrentou quase os mesmos problemas.
Owen destacava o fato de Cristo, em sua oração sacerdotal, afirmar que a vida
eterna é conhecer a Deus e a Jesus Cristo, que foi enviado pelo Pai. O
conhecimento de Deus é vida eterna.
Com certeza é por isso que o Senhor Jesus, nas horas mais
tristes da vida de seus discípulos, gastou tempo ensinando-os sobre o
conhecimento de Deus, e especialmente as inter-relações do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, além do significado desses relacionamentos para os crentes. (FERGUSON,
p. 40).
Owen
afirmava que fomos criados para conhecer a amar a Deus em toda a sua glória.
Ferguson tenta resumir o pensamento de John Owen a respeito das três pessoas da
trindade. Ele escreve sobre o que o teólogo falava sobre a comunhão do Pai com
os seus filhos, depois sobre a comunhão do Filho com os filhos de Deus e depois
da comunhão do Espírito Santo com os eleitos. O inglês destacava que era o amor
do Pai que fluía para nós através do Filho e do Espírito e que os cristãos
gozam dessa comunhão com Ele em amor. Owen passou por vários períodos de
tristeza espiritual e chegou à conclusão, também conhecendo muitas pessoas e
pregando para elas, que o maior problema do cristão era que ele tinha pouco ou
nenhum senso de paz com Deus porque, em parte, a maioria dos cristãos não
estava convencida que o Pai realmente ama de verdade. É como se o Filho nos
amasse, porém o Pai ainda é uma pessoa “irada”. No entanto, conforme você lê os
escritos de Owen, ele vai esclarecendo de maneira bíblica como esse amor do Pai
é manifestado através do Filho e do Espírito. O Pai ama, de fato, ama, e não
precisamos ter medo de nos relacionarmos com Ele.
“Conseguem
entender o amor de Cristo, mas parece haver uma lacuna cognitiva ou dissonância
entre a sua confiança em Cristo e sua confiança no Pai” (Ferguson, p. 55). “É
verdade que somente o sangue de Jesus é o meio de comunicação desse amor;
porém, a fonte livre e manancial de amor está no seio do Pai” (Ferguson, p.
58).
O autor
reserva o penúltimo capítulo – e maior de todos – para explanar sobre o que
John Owen falava sobre a comunhão do Filho com o seu povo. Jesus é graça pessoal
e justificação para as nossas vidas. “Para Owen, a graça de Cristo é multidimensional.
Consiste em sua graciosidade pessoal e atratividade como Mediador e Salvador,
no seu favor e amor por nós pecadores, e também em sua transformação de nós
pelo dom do seu Espírito” (Ferguson, p. 66). Owen entendia a comunhão com Filho
por meio do nosso entendimento de quem Cristo é e do que Ele fez por nós,
incluindo uma disposição de nos entregarmos a Ele sem reservas. Essa comunhão
nos vivifica e transforma os “afetos” dos cristãos. A vida cristã não se deve
ser vivida baseada em emoções, mas não devemos cometer o erro de acreditar que
nossas emoções não são tocadas, transformadas e purificadas pelo poder da
comunhão com o Filho.
Cristo nunca
deixará de ser nosso.
Ele suportou com paciência os sofrimentos por amor e exerceu obediência ativa,
não passiva. Jesus foi fiel ao Pai não apenas na morte, mas durante toda a sua vida.
O pecado não tem mais domínio sobre a vida dos eleitos de Deus porque Cristo
pagou o preço da nossa redenção, garantindo nossa libertação tanto do domínio
do pecado, quanto do domínio de Satanás e do mundo.
...as vestes sujas do nosso pecado foram removidas pela morte
expiadora de Cristo, e as vestes puras que Ele teceu através da sua vida,
morte, ressurreição e ascensão foram colocadas em nós. Satanás é repreendido e
o filho de Deus está seguro em Cristo. (FERGUSON, p. 78).
O Filho é
nosso sacerdote para sempre. Owen defendia que havia uma “comutação”, ou seja, uma grande troca
entre nós e o Filho – a justiça de Deus pela nossa pecaminosidade. A entrega dos
nossos pecados e de nós mesmos a Cristo, acreditava Owen, é, de todas as
coisas, o que mais agrada a Jesus. E não devemos esquecer que essa comunhão não
é estática. “Sem Cristo, nada podemos fazer”. Cada novo ato de obediência
envolve nova experiência da graça de Cristo. E, por fim, o mais alto privilégio
dessa comunhão com o Filho é nossa adoção como filhos.
Por fim, o
livro encerra discorrendo sobre o que Owen pensava sobre a comunhão entre os
eleitos de Deus e o Espírito Santo. De acordo com Ferguson, John Owen conduz
seus leitores através de dez obras específicas do Espírito Santo na vida de
Jesus, mas que o escritor do livro resume em quatro: O Espírito na concepção de
Jesus, no ministério dEle, na cruz e na Sua exaltação. Owen defende, de forma
bíblica, que o Espírito Santo abre os olhos do nosso entendimento à revelação
que Deus nos deu. “Ser guiado pelo Espírito, portanto, em termos bíblicos,
envolve abraçar e obedecer à revelação que Deus deu a todos, não seguindo
suposta revelação particular dada apenas a alguns indivíduos” (Ferguson, p.
98).
Ferguson vai
explicar que Owen dizia que o fruto imediato da vinda do Espírito é nossa
comunhão com Cristo. O Espírito nos restringe de pecar e nos santifica num
processo contínuo. Ele habita no crente de maneira misteriosa e usa todas as circunstâncias
(tanto boas, como os nossos fracassos) para nos conformar à imagem do Filho de
Deus. Ele direciona e orienta o crente de maneira objetiva pela Palavra e
também iluminando nosso entendimento. O Espírito nos conforta em nossas
enfermidades e exercita “contínua restrição interior sobre a nossa vida,
para que evitemos correr de frente para o pecado” (p.100).
John Owen
preocupava-se em ensinar como os crentes poderiam distinguir as sugestões do
Espírito Santo das sugestões do Diabo. Ele apontava quatro maneiras de como
saber a diferença. A primeira delas é que a direção do Espírito segue as
Escrituras, então, você se deve perguntar: “Essa ação segue o curso da Palavra
de Deus?”. A segunda forma de distinguir é que os mandamentos do Espírito não
são penosos, estão em harmonia com a Palavra e esta está em harmonia com o
crente, que se submete conscientemente à Palavra, mesmo que o caminho do Senhor
seja marcado por lutas e sofrimentos. A terceira maneira de saber se é o
Espírito é saber que as sugestões dEle são ordeiras: inquietação não é marca do
Espírito. E a quarta forma de saber se é o Espírito ou a carne ou o Diabo é ter
em mente que as sugestões do Espírito tendem a glorificar a Deus de acordo com
a sua Palavra, pois traz o ensino de Jesus à nossa memória.
A presença do Espírito já nos traz um antegozo de glória
futura, mas também, simultaneamente, cria em nós um senso da imperfeição da
nossa experiência espiritual presente. Isto, para Owen, é comunhão com o
Espírito – entendida biblicamente – traz alegria à vida do crente, ao mesmo
tempo que traz profundo sentimento de que a plenitude da alegria ainda não
chegou” (FERGUSON, p. 102).
O Espírito
Santo nos une ao Salvador crucificado e ressurreto, tornando-se modelo da vida
cristã: morte e ressurreição, mortificação e vivificação, despir o velho e
revestir o novo. Por isso, Owen nos dá três exortações: não devemos entristecer
o Espírito, pois Ele responde a nós como quem foi ofendido e entristecido; não
apaguemos o Espírito, ou seja, não podemos ter um estilo de vida que impeça a
obra graciosa dEle que arde para despertar em nós o amor pela santidade; e não
resistamos à sua Palavra: a Palavra é a espada do Espírito e a sua exposição é
instrumento do Espírito para soltar a Palavra dentro de nós. O Espírito Santo
deve ser cultuado, honrado e adorado.
Sinclair
Ferguson conclui que é na vida de comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito é
que fomos batizados e, assim como fomos batizados em nome da Trindade, temos
comunhão com cada pessoa distinta dela, pois “fomos amados pelo Pai, reconciliados
pelo Filho e estamos sendo transformados de “glória em glória” pelo Espírito”
(Ferguson, p.111).
Alguns grandes
nomes da teologia sobre John Owen:
“É
desnecessário dizer que ele é o príncipe entre os pastores mestres em
divindade. Conhecer bem as suas obras é tornar-se profundo teólogo. Diz-se de
Owen que ele era prolixo, porém mais verdadeiro seria dizer que ele é
condensado. Seu estilo é pesado porque ele fazia notas daquilo que poderia ter
dito, e passava adiante sem desenvolver completamente os grandes pensamentos de
sua ampla mente. Requer empenho no estudo, e nenhum de nós deve relutar ao
fazê-lo” (Charles Haddon Spurgeon).
“Estou bem
consciente de que os escritos de Owen atualmente não estão na moda... Contudo,
este grande conhecedor das coisas divinas... [tem] maior erudição e
conhecimento sadio da Escritura em seu dedo mindinho do que aqueles que o
depreciam possuem no corpo todo. Afirmo sem hesitar que quem deseja estudar
teologia prática não encontrará livros iguais aos de Owen” (J. C. Ryle).
Ficha técnica
Obra: A Devoção Trinitária de John Owen
Autor: Sinclair B. Ferguson
Editora: Fiel
Páginas: 134
Ano: 2015
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