Fiquei muito feliz e surpresa ao ler a primeira página do livro “O encanto poético de Isaac Watts”, publicado pela editora Fiel numa série chamada “Um perfil de homens piedosos”. Minha surpresa foi por que não sabia que Isaac Watts era hinólogo e como sou da área musical, o livro caiu bem para mim. Descobri a existência desse puritano inglês no livro que li há poucos dias intitulado “Santos no Mundo: Os puritanos como realmente eram”. Na verdade, eu escrevi vários nomes que encontrei naquele livro e passei a pesquisar mais sobre suas obras. Acabei encontrado este livro biográfico da Fiel escrito pelo presbítero Douglas Bond, professor de literatura, redação e história, chefe do Departamento de Língua Inglesa no Colégio Covenant, em Tacoma, Washington, EUA.
Bond reserva o prefácio do livro para
o explicar o porquê de ter escrito uma obra biográfica que destacasse o ponto
mais forte de Watts, sua poesia teologicamente perfeita e musicalmente
harmoniosa. Em tempos onde o louvor dos cultos contemporâneos ignora
completamente o básico nos âmbitos musical e teológico, conhecer Isaac Watts nos
faz voltar para a Palavra de Deus e nos incentiva a não desistir em tempos
difíceis. O autor inicia criticando – com toda razão – a destruição da
estrutura convencional da métrica e rima poéticas que foi substituída por
prosas fragmentadas, sem profundidade e com apelo emocional exagerado. Isso foi
introduzido aos poucos em todas as formas de canções modernas, incluindo os
hinos entoados nas igrejas.
O escritor também critica a forma como
os hinos são interpretados nas igrejas atuais: com muito barulho, muito
exagero, com instrumentos muito altos, em detrimento do cântico congregacional.
Mas o exemplo cristão de Isaac Watts excedia seus poemas e hinos. Ele vem de
uma geração perseguida por sua fé, na Inglaterra do século XVII, e sofreu a
vida toda com uma saúde fragilizada. Sua fidelidade a Deus nos anima a sermos
mais parecidos com nossos irmãos vigorosos daquela época e nos faz refletir
sobre o que tem acontecido no meio cristão dos dias de hoje.
Isaac Watts nasceu em 1674 e foi
extremamente influenciado pelo seu pai, um puritano inglês que era diácono na
Capela Congregacional Above Bar. O pai já havia ido para a prisão algumas vezes
por não seguir o estilo de adoração oficial da igreja do Estado, a Anglicana.
Era um homem muito piedoso, culto e comerciante de tecidos. A mãe de Isaac
Watts era descendente de huguenotes (protestantes franceses) que haviam
escapado, décadas atrás, do Massacre da Noite de São Bartolomeu, ocorrido em
1572. Ele era o primogênito de 8 filhos. O seu pai o ensinou sobre muitas artes
desde cedo e na sua casa havia uma escola domiciliar de excelência, cuja
reputação fez com que pessoas da América e das Índias Ocidentais fossem para lá
estudar.
Isaac Watts começou a estudar Latim
com seu pai aos 4 anos de idade. Sua família era versada em poemas e ainda na
infância, Isaac já tinha inclinação para rimas e métricas. Ainda jovem,
aprendeu a dominar o grego, o hebraico e o francês. Aos 7 anos de idade, já
escrevia versos com profundidade teológica que surpreendia sua mãe. Muito cedo,
influenciado pelo pai, passou a amar a Bíblia, como também as pessoas que
amavam a Palavra de Deus.
Ele ingressou na Academia Newington
aos 16 anos. Estudou latim, grego, hebraico, matemática, história, geografia,
ciências naturais, retórica, ética, metafísica, anatomia, direito e teologia.
Isaac Watts enfrentou a “Era da Razão” com muita firmeza na fé. Para ter uma
ideia do que enfrentou, ele foi contemporâneo do cientista Isaac Newton e de
John Locke, um filósofo adepto do empirismo muito venerado. Watts enfrentou
diversas enfermidades e aos 38 anos sua saúde ficou precária ao ponto de ser
“adotado” por uma rica família de Londres, em 1712, e com eles viveu por 36
anos. Daí por diante despontou como escritor, pois escreveu 50 obras sobre
filosofia, matemática, astronomia e teologia. Em toda sua vida compôs 750
hinos. Ele escreveu um livro que ficou famoso: “Os Salmos de Davi seguindo a linguagem
do Novo Testamento e Aplicados à Condição e Adoração Cristã”. Essa obra foi
publicada em 1715 pela primeira vez e publicada por Benjamin Franklin em 1729.
Em 1696, Watts foi convidado pela
família do Sir Hartopp e Elizabeth para ser professor particular dos seus sete
filhos, sendo um menino e seis meninas. Foi então que começou a escrever hinos
para crianças adorarem ao Senhor. Ele elaborou o livro “Canções Divinas Para
Crianças”. E, enquanto ensinava para
essas sete crianças, ele construiu um método de ensino que envolvia gramática,
redação, leitura e interpretação de literatura e compilou num livro chamado “A
Arte de Ler e Escrever em Inglês”. Ele dividia seu tempo também com a construção
do livro “Aperfeiçoamento da Mente”, onde defendia a memorização regular e
sistemática da literatura, especialmente da Bíblia.
É muito gratificante ler a história de
vida dos puritanos porque nós percebemos que muitos dos estereótipos que foram
colocados neles são bem falsos. Douglas Bond, autor deste livro, descreve bem
isso quando coloca:
Quanto mais se lê
Watts e outros puritanos, mais ilusória se torna a caricatura persistente do
puritanismo enquanto uma religião severa e carrancuda. Essa falsa deturpação
foi perpetrada por homens como o jornalista H. L. Mencken, que definiu o puritanismo como “O
medo assombrado de alguém, em algum lugar, esteja feliz”. Tal desconstrução não
conta com a alegre piedade do puritano Watts, como se viu ao longo de sua vida
e escritos.
A contribuição de Isaac Watts
ultrapassa a esfera religiosa. Ele escreveu o livro “Lógica, o Uso Correto da
Razão na Investigação da Verdade”, em inglês “Logic, the right use of reason in
the inquirity after truth”, muitíssimo famoso na Inglaterra. Publicado pela
primeira vez em 1724, o livro tornou-se ironicamente texto padrão das
Universidade de Oxford e Cambridge, instituições que se recusaram a aceitar
Watts pelo fato de ele não ser anglicano.
Watts tornou-se pastor da famosa
Capela de Mark Lane que décadas atrás havia sido pastoreada pelo também famoso
John Owen, considerado o “Calvino da Inglaterra”. Watts conseguiu o cargo por
causa da sua desenvoltura nas pregações que eram recheadas de hinos de ensino
cristão. A habilidade expositiva dele era grande e, por causa de seu amor pelas
crianças, ele conseguia, do púlpito, pregar também para elas, captando sua atenção.
As pregações do puritano congregacional eram consideradas “aconchegantes”
devido ao seu ensino preciso das Escrituras e sua habilidade natural à
docência, além de ter uma firme doutrina calvinista e grande maturidade de
ensino. Ele era contra a salmodia exclusiva nos cultos e questionava por que
muitos puritanos defendiam que os filhos de Deus da Nova Aliança deveriam
cantar apenas canções que são “sombras” e não poderiam louvar com textos
sagrados do Novo Testamento. Ele mudou completamente o estilo de adoração das
igrejas da Inglaterra, mas nunca abria mão de uma teologia profunda nas
canções.
Em 1705, Watts publicou sua primeira
coletânea de poemas e não parou mais. Compôs por toda a vida mais de 700 hinos,
sendo muitos deles cantados também nas colônias inglesas nos Estados Unidos.
Ele amava também os Salmos e escreveu “Os Salmos de Davi seguindo a linguagem
do Novo Testamento e aplicados à condição e adoração cristã” (1719). Ele
estimulou a alegria e ao mesmo tempo reverência profunda com suas composições
para serem cantadas nos cultos solenes.
O livro é muitíssimo rico de
informações que envolvem a biografia de Isaac Watts. Eu fiquei sinceramente
encantada com a história. O autor deu detalhes muito importantes ficando impossível,
para mim, selecionar as partes mais interessantes e citá-las aqui neste texto.
Eu recomendo fortemente o livro para cristãos no geral, especialmente
congregacionais e presbiterianos, reformados, músicos de igreja e todos os
interessados em conhecer uma parte da história da Inglaterra do século XVII e
entender o seu contexto. Watts deixava claro que os louvores não deveriam estar
impregnados apenas de emoção, mas também não deveriam retirá-la. Ele frisava
que os compositores não deveriam manipular artisticamente as canções, mas
priorizar a profundidade teológica nas letras, uma mensagem bastante atual!
Lamento muitíssimo que no Brasil não
tenha nenhuma obra dele traduzida – pelo menos não encontrei nada dele em Português,
nem mesmo seu livro de lógica. Watts faleceu aos 74 anos, dos quais muitos
deles foram debaixo de doenças que, naquela época, não se sabiam os motivos. Por
ter passado muitas aflições com enfermidades, Watts não tinha uma bela aparência,
nunca se casou, não teve filhos e se manteve fiel à Palavra de Deus e ao
serviço do Reino até o fim. Por causa dessa característica de lutar sempre
contra suas dores, pensou que fosse morrer inúmeras vezes e refletiu por toda a
sua vida sobre a morte, a brevidade da vida e o céu. Deixo aqui abaixo um hino (traduzido)
para o leitor desta sinopse ter ideia da profundidade de seus poemas. E mais
abaixo ainda, o seu mais famoso hino, traduzido em diversos idiomas e cantado
principalmente pelas igrejas da Inglaterra. No Brasil, o “Novo Cântico”
(hinário presbiteriano) tem apenas 3 de seus mais de 700 hinos, são o número
157, 262 e 348. Encontrei também hinos de Watts no “Salmos & Hinos”
(hinário Congregacional) e no “Cantor Cristão” (hinário Batista).
Segue o hino “Há uma terra de completo
deleite”:
Há uma terra de completo deleite,
Onde os santos imortais reinam;
Dias infinitos excluem a noite,
E prazeres a dor dizimam.
A primavera eterna habita lá,
E flores que nunca fenecem;
Morte, como um rio estreito, a separar
A nossa terra da celeste.
Além das águas, doces pradarias
Em vívida vegetação;
Como Canaã p’ra os judeus subsistia,
Enquanto entre eles fluía o Jordão.
Mas mortais temerosos retrocedem
Ao atravessar o estreito mar;
E, trêmulos, à beira, permanecem
Temendo nele se lançar.
Fossem nossas dúvidas removidas,
Sombrias dúvidas despertadas,
E víssemos a Canaã tão querida,
Com vista desanuviada!
Douglas Bond, autor do livro “O Encanto
Poético de Isaac Watts”, destaca que este é um hino composto em 1707, quando
Watts tinha 32 anos. Na época em que foi escrito, Watts sentia tantas dores que
achava que ia morrer. Douglas Bond destaca a quarta estrofe da canção: os
mortais, quando muito próximos da morte temem, contudo, se a fé fosse perfeita,
como seria bom, sem medo, atravessar o “estreito rio” que nos separa da “nossa
terra da celeste” (segunda estrofe). Eu li e reli este poema tantas vezes que
não consegui conter minhas lágrimas. A profundidade teológica da canção contrastando
com a fraqueza humana nos leva a ansiar profundamente por Cristo e pelo céu.
Segue a seguir a sua mais famosa canção (traduzida):
Quando a maravilhosa cruz eu contemplei
Sobre a qual o Príncipe da glória morreu,
Todas as riquezas como perda contei,
E derramei desprezo em todo orgulho meu.
Não permita, Senhor, que eu possa me gloriar
Salvo na morte de Jesus Cristo, meu Deus:
As coisas vãs que mais podem me fascinar
Eu lhas dou em sacrifício no sangue seu.
Veja, de sua cabeça, seus pés e suas mãos,
Aflição e amor fluíram abaixo misturados:
Alguma vez se uniu tal amor co’aflição,
Ou espinhos tinham coroa tão rica formado?
Tivesse eu da natureza posse total,
‘Inda seria um presente por demais pequeno;
Amor tão maravilhoso, tão divinal,
Demanda minh’alma, vida e tudo o que tenho.
As traduções foram retiradas do livro em “O
Encanto Poético de Isaac Watts”.
Ficha técnica
Obra: O encanto poético de Isaac Watts
Autor: Douglas Bond
Editora: Fiel
Páginas: 183
Ano: 2014
Preço na editora: R$ 40,40
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