Santos no Mundo: Os puritanos como realmente eram

 

Para falar a verdade, a primeira vez que ouvi sobre puritanismo tem cerca de dois anos. Frequento igreja desde que nasci e nunca tinha ouvido falar nesse movimento ou nas pessoas que eram comumente chamadas de puritanas. Então, conheci o termo como forma de xingamento, mas não entendi. Ouvi pastores “xingando” outros com a seguinte frase: “Ele é puritano” ou “Ele é neopuritano”. Ah, sim! Também lembrei que quando descobri o termo, percebi que é associado a pessoas que discutem sobre Bíblia com um copo de cerveja na mão e bebem até cair e está tudo bem. Ainda não descobri o que é neopuritanismo (não sei sequer se o termo realmente existe), mas encontrei, finalmente, informações fidedignas sobre o que foi o movimento puritano e por que alguns pastores são xingados por outros de “puritano” e entendi, então, que o xingamento é algo muito interessante. A conclusão à qual cheguei é que ser puritano – usando o seu significado original – é simplesmente querer seguir a Cristo conforme as Escrituras, incluindo todos os aspectos da vida, desde o culto público, ao trabalho cotidiano e às relações familiares e em sociedade.

O livro “Santos no Mundo: Os puritanos como realmente eram”, escrito pelo professor Leland Ryken (Ph.D), publicado pela editora Fiel, desmistifica muita coisa relacionada aos puritanos. O autor leciona há 40 anos na Universidade Wheaton, em Ilinóis, nos Estados Unidos. Ele é pesquisador de Bíblia, história e da língua inglesa e já publicou mais de 30 livros e obras acadêmicas. “Santos no Mundo” não esconde os erros do movimento puritano, mostra os acertos e deixa bem explicada a confusão que existe no mundo sobre a ética puritana do trabalho, muitas vezes usada especialmente por políticos e pensadores americanos de maneira bastante equivocada. Esse aspecto do livro é genial.

Tanto a apresentação, escrita por J. I. Packer – um dos teólogos protestantes mais proeminentes do século XXI, que morreu em 2020, aos 93 anos – quanto o primeiro capítulo da obra já me deixaram bem empolgada porque essa parte do livro conseguiu expor todas as minhas dúvidas – que provavelmente são questionamentos de muitas pessoas – sobre quem eram os puritanos e esclarecer muitas coisas. Algo que descobri é que o movimento puritano original era inglês e, embora não tenha marcos de início e fim, Leland Ryken fez uma cronologia bem interessante, levando o leitor compreender o contexto do movimento num período de cerca de 150 anos. O movimento puritano original pode ser então compreendido entre o ano 1526 (nove anos depois das 95 Teses de Lutero), ano em que foi publicado o primeiro Novo Testamento em inglês, traduzido por William Tyndale, e o ano de 1688, com o reinado de William e Maria, quando houve a Revolução Gloriosa e restaurada a liberdade do puritanismo de pregar e ter suas igrejas independentes. Foram 150 anos de luta por liberdade religiosa, de pensamento e de expressão contra a ditadura religiosa da realeza com sua igreja vinculada ao Estado e cujas semelhanças cultuais ao Catolicismo Romano incomodava os adeptos do puritanismo.

Preciso esclarecer primeiro um ponto antes de continuar a resenha do livro. A obra não se trata de uma cronologia do movimento. Essa cronologia foi oferecida pelo escritor de maneira super resumida em quatro páginas. O objetivo de Ryken é mostrar ao leitor como era a vida dos puritanos, o que eles pensavam sobre culto, trabalho, família, igreja, pregação, Bíblia, ações sociais, dinheiro, sexo e casamento. A obra expõe a cosmovisão de vida deles. O que achei muito proveitoso foi a riqueza de nomes de teólogos puritanos que permeiam o livro. Escrevi a maioria, se não todos, os nomes na contracapa do livro e fui pesquisando sobre eles e encontrei uma quantidade enorme de obras escritas por esses homens puritanos. O livro é um bálsamo para qualquer protestante que cansou de ver, ler e ouvir tantas bobagens no meio do povo de Deus.

“Como eram os puritanos originais?” é o primeiro capítulo da obra que explica e desmistifica muitas informações erradas ou meias-verdades sobre os puritanos. Uma ressalva muitíssimo valiosa que Ryken oferece é a diferenciação entre o puritanismo inglês e o puritanismo americano. O inglês é o original, defendido por uma parcela pequena da população, cujos membros foram duramente perseguidos, mortos e excluídos de Universidades. Sabia que quem não era adepto do anglicanismo era proibido de colar grau nas universidades de Oxford e Cambridge? Pois é! Os puritanos ingleses sofreram ao extremo. Logo no início do movimento, num período de cinco anos de poder de Maria, rainha católica romana que subiu ao trono da Inglaterra em 1553, 300 desses puritanos foram assassinados e 800 fugiram para a Nova Inglaterra. Graças a Deus, aquela peste permaneceu apenas 5 anos no poder.

O autor do livro explica que o puritanismo americano se difere em vários aspectos do inglês, e muitos desses aspectos nem lembravam o verdadeiro anseio do movimento puritano inglês, que era glorificar a Deus em todas as esferas da vida. A ideia de puritanos que bebem até cair é um conceito concebido de dois séculos para cá. Os puritanos originais repudiavam festas e aglomerações que tinham alguma possibilidade de o puritano perder o controle. Os casamentos puritanos ingleses eram basicamente um culto a Deus e um banquete para os convidados. Esse negócio de bebedeira em casamento não fazia parte do movimento puritano inglês. Diferente dos ingleses, na Nova Inglaterra os puritanos eram maioria e não sofriam as humilhações, dores e assassinatos como os puritanos ingleses sofreram. Na Inglaterra, eles eram poucos e perseguidos – talvez por isso fossem mais fiéis a Deus e levassem a vida mais a sério.

O movimento puritano foi um movimento erudito, um movimento religioso, político, econômico e um movimento no qual a Bíblia era central com relação a tudo. Ela era autoridade máxima para decisões. Três características que marcavam os puritanos eram vida de mortificação, de vigilância e uma vida correta. Eles eram muito rígidos consigo mesmos, mas praticavam esportes e tinham suas alegrias na comunhão com os santos, na família e no trabalho. Eles eram muito zelosos e os primeiros puritanos eram conhecidos também pelo termo “disciplinadores”. O autor do livro “Santos no Mundo” ressalta que o movimento puritano inglês foi mais uma tentativa de influenciar a sociedade do que de dominá-la. Eles queriam ter liberdade para influenciar e não para dominar por meio de qualquer tipo de liderança oficial.

No segundo capítulo, o pesquisador esclarece o que de fato é a ética puritana do trabalho, conceito muito usado de maneira equivocada. O termo atualmente se refere a “trabalho árduo e acúmulo de riquezas” quando na verdade o conceito do trabalho dos puritanos era glorificar a Deus com seus dons e inclinações naturais servindo ao próximo e à sociedade. Acho interessante esse trecho:

O puritanismo e o calvinismo mais comumente consideravam o trabalho como o meio pelo qual as pessoas conquistam seu próprio sucesso e riqueza? É normalmente afirmado que sim, mas procuro em vão pela comprovação da afirmativa. O calvinismo não ensina uma ética de autoconfiança, como ensina nossa ética moderna de trabalho. É, ao contrário, uma ética da graça: quaisquer recompensas tangíveis advindas do trabalho são dom da graça de Deus. (...) Benjamin Franklin, e não os primeiros protestantes, quem tinha a confiança que “cedo dormir e cedo levantar tornam um homem saudável, abastado e sábio”. Na visão calvinista, apenas trabalho não garante sucesso. (...) Nas palavras de Calvino: “Os homens em vão desgastam-se com labuta, e desperdiçam a si mesmos para adquirir riquezas, visto que estas também são um benefício de Deus somente”. (RYKEN, 2013. p.74,75).

De acordo com Ryken, a atitude puritana era de que a riqueza era um bem social, não uma propriedade pessoal, um dom de Deus, e não resultado de esforço humano. Para os puritanos, nenhuma correlação direta existia entre riquezas e santidade. Conforme o pensamento puritano inglês, a fé e o sofrimento por causa do Evangelho é que eram sinais de eleição. Eles acreditavam na moderação do trabalho e condenavam aqueles que trabalhavam dia e noite atrás de riquezas. O escritor explica também o conceito de vocação estipulado pelo movimento puritano, o senso de chamado e a santidade dentro e fora do trabalho. Os puritanos acabaram com o conceito dicotômico de sagrado-secular. Para o cristão, todas as esferas de sua vida são sagradas.

William Tyndale disse que, se olharmos externamente, “há uma diferença entre lavar louças e pregar a Palavra de Deus; mas, no tocante a agradar a Deus, nenhuma em absoluto”. (RYKEN, 2013. p. 61,62). [Diga-se de passagem que William Tyndale, primeiro tradutor da Bíblia para o inglês, foi executado por estrangulamento, acusado de heresia, por ter traduzido a Palavra de Deus para a língua local].

O escritor separa um capítulo para desmistificar a ideia que alguns têm de acreditarem que os puritanos repudiavam o sexo ou o desejo sexual. Na verdade, eles elevaram o sexo ao patamar que eles consideravam puro, ou seja, dentro do casamento. O sexo sempre foi considerado pela Igreja Católica como algo inferior ao celibato e a virgindade sempre elevada se comparada ao sexo dentro do casamento. Ryken expõe como o intercurso sexual era visto na Idade Média e até mesmo pelos pais da Igreja como algo a ser evitado. O puritanismo bateu de frente com essa ideia e passou a defender a ideia de que quem criou o sexo foi Deus, para a Glória de Deus e desfrute de seus filhos na Terra.

Os puritanos destacaram a virtude do sexo no casamento afirmando que o desejo sexual era inerente ao ser humano e, portanto, colocado pelo próprio Deus. Eles afirmaram também que, por ser algo natural, trata-se de um momento também espiritual e algo necessário dentro do casamento. Os puritanos tinham aversão a demonstrações eróticas públicas, mas para eles não havia censura entre um casal dentro de seu lar. Essa ideia foi completamente de encontro ao Concílio de Trento, onde ficou decido que a virgindade e o celibato eram estados superiores ao casamento. Esses reformadores defendiam a “castidade conjugal” e alegavam que o sexo no casamento servia de maneira tríplice: para procriação, como antídoto contra o pecado sexual e para uma sociedade mútua.

Ryken destaca um fato bem interessante: “Durante a Idade Média, a poesia romântica e as histórias de amor enalteceram adultérios amorosos. Ao alcançarmos o final do século XVI, o ideal do amor conjugal romântico havia substituído o ideal de cortejo amoroso adúltero da Idade Média como assunto habitual da literatura” (p.102). O autor explica que os puritanos lembravam sempre que o sexo é para pecadores, mas que não existe perfeição no casamento, perfeição essa que só haverá quando estivermos em outro estado, quando o casamento e o sexo não serão mais necessários.

Outro ponto que o autor do livro destaca na vida dos puritanos era como eles lidavam com o dinheiro. Talvez esse seja o capítulo mais importante quanto aos inúmeros esclarecimentos sobre como viviam os puritanos. O autor rebateu a ideia moderna da “ética protestante e o espírito do capitalismo”, conceito difundido por Marx Weber em seu famoso livro. A ideia dos puritanos com relação ao dinheiro nunca foi a de acúmulo de riquezas, usufruto delas mediante esforço próprio e enaltecimento de bens materiais. Os puritanos não sentiam culpa em ganhar dinheiro, pois viam os recursos financeiros como uma forma de mordomia. Eles enxergavam a prosperidade como presente de Deus e, por isso, a dissociavam do mérito humano.

Ryken afirma que: "O esforço humano apenas não garante o sucesso; mesmo quando Deus abençoa o trabalho com prosperidade, é sua graça e não o mérito humano que produz a bênção. Cotton Mather afirmou: 'Em nossas ocupações, estendemos nossas redes; mas é Deus quem põe nas nossas redes tudo que vem nelas'." (p.114). Os puritanos também rejeitavam a ideia de que a pobreza era mais nobre que as riquezas ou que ela, por si só, era pura.

Os puritanos não idealizaram a pobreza como algo a ser buscado. Contrariamente à teoria monástica católica, os puritanos julgaram que a pobreza não é um meio seguro de se evitar a tentação. Richard Baxter comentou: 'A pobreza também tem suas tentações... Pois mesmo os pobres podem angustiar-se com o amor àquela riqueza e abundância que nunca alcançam; e podem perecer por amar demasiadamente o mundo os que ainda não prosperaram no mundo'. Os puritanos também rejeitaram a ética do descaso, que se contenta com deixar os pobres permanecerem pobres. (...) “Deus nunca deu um presente', pregou Hugh Latimer, 'sem providenciar ocasião, uma vez ou outra, de exibi-lo para a glória de Deus. Pois, enviando riquezas, Ele enviaria homens pobres para serem ajudados por ela". (Leland Ryken, em "Santos no Mundo").

O autor do livro lembra que o conceito sobre dinheiro e propriedade, para os puritanos, não podia ser visto como uma elevação dos bens materiais acima dos valores espirituais. Além disso, eles repudiavam os conceitos modernos de autossuficiência e autorrealização, já que o dinheiro conquistado através do trabalho, de maneira correta, era oferecido por Deus, para a glória de Deus. Por causa desse pensamento, os puritanos entendiam o dinheiro como um bem social: primeiro para autossustento da família, depois para os outros, especialmente os da família, depois para os mais necessitados, depois para manutenção da igreja e, por fim, para a manutenção da sociedade.

Eles entendiam que a santidade não era garantia de sucesso financeiro como também o sucesso não significava santidade. Os puritanos acreditavam que a pobreza levava mais as pessoas à oração, elas ficavam mais distantes da cobiça e diziam que “Seu reino de graça sempre foi mais consistente com a desprezada pobreza do que com a riqueza e com a honra" (Richard Baxter).

É bom destacar que o puritanismo do século XVI e XVII repudiaria veementemente o Socialismo, tanto na sua forma aberta de propriedade governamental quanto na sua sutil forma de bem-estar através do Estado. Eles defendiam, usando textos bíblicos como Provérbios 2.2, Tessalonicenses 3.12, que a propriedade e as diferenças entre quantidade de bens eram ordenanças do Senhor. As riquezas eram um meio de um puritano servir ao próximo através dos recursos financeiros, para a glória de Deus, a fim de aliviar a pobreza do próximo.

O quinto capítulo do livro discorre acerca do significado de família para o movimento puritano. Eles davam extrema importância à família, como sendo a principal comunidade dentro da sociedade, assim sendo, famílias bem estruturadas formavam sociedades bem estruturadas. Eles entendiam que a liderança do ensino em casa era do pai e a mãe era a vice-líder. Os filhos tinham a obrigação de obedecer aos pais e aprender com eles. Eles enfatizavam a disciplina dócil sobre as crianças e fizeram do culto doméstico uma forte característica das famílias puritanas.

Leland reserva um capítulo do livro sobre a pregação puritana. De fato, os ministros do evangelho que seguiam essa linha protestante eram famosos por seus sermões. O autor da obra destaca que muitas pessoas faziam questão de andar grandes distâncias até chegar onde o pregador iria realizar o sermão. Até em meio aos anglicanos eles ficaram conhecidos por falarem a Palavra de Deus de maneira fácil para o povo e com autoridade outorgada puramente da Palavra. A pregação era algo tão importante que os puritanos entendiam que essa era a principal função do ministro e geralmente esses ministros pregavam entre três e cinco vezes na semana, além de ensinar o catecismo. Os puritanos defendiam a intelectualidade e a educação religiosa tanto do clero quanto dos leigos, eles admitiam a primazia do intelecto como canal pelo qual Deus falava ao povo e o convencia com a verdade. “O receber da Palavra consiste em duas partes: atenção da mente e intenção da vontade”, William Ames.

A pregação expositiva da Bíblia era a forma estrutural dos sermões. A Palavra sempre era lida e a compreensão dos textos era fornecido pela própria Escritura. Eles aplicavam a sã doutrina trazendo as verdades bíblicas para a dia a dia dos ouvintes. Todo sermão puritano era organizado e planejado. O estilo da pregação era simples e eles condenavam sermões que enfatizavam o pensamento de teólogos. “Dizer quantos autores temos lido, o quanto somos familiarizados com os escolásticos, quão linguisticamente críticos nós somos ou coisa semelhante. É uma miserável ostentação”, conforme o pregador puritano Samuel Torshell. “Para os puritanos, a finalidade de um sermão era servir como um meio de graça”, de acordo com o autor do livro.

O sétimo capítulo do livro vai tratar sobre igreja e culto. Eles afirmavam que o culto não deveria ter pompas e deveria ser simples. Davam ênfase à igreja como algo espiritual e, por isso, a igreja invisível estava acima de qualquer tipo de estrutura institucional. O culto deixou de ser algo confinado ao sacerdote e a algum lugar específico e tornou-se algo que os cristãos podem fazer onde quer que estejam ao longo do dia. Para eles, a igreja mais pura seria aquela comprometida com a pregação, os sacramentos e a disciplina. O cântico congregacional foi por extremo importante para o movimento puritano e, de acordo com o puritano Richard Baxter, os fins do culto são “a honra de Deus, a edificação dos crentes, a comunicação aos outros de conhecimento espiritual, santidade e prazer, e o aumento do próprio reino de Deus no mundo”. A Palavra era o centro do culto e o domingo era sagrado ao ponto de eles discordarem da realização de certos esportes no dia, era um dia santo que servia para estudo bíblico e descanso.

O oitavo capítulo da obra trata da importância da Bíblia para o movimento puritano. Eles defendiam que todos os crentes deveriam ter acesso à Bíblia, lê-la, estudá-la e meditar nela. William Tyndale, puritano inglês, foi o primeiro a traduzir para o inglês a Palavra de Deus. Ele foi para a Nova Inglaterra para realizar a tradução, em 1524, e as primeiras cópias impressas chegaram à Inglaterra em 1526. Ele foi morto pelo rei da Inglaterra, antes de traduzir a maior parte do Antigo Testamento, em 1536. O motivo de sua morte foi a acusação de heresia, por ter feito a tradução da Bíblia.

Os puritanos acreditavam na inspiração divina da Palavra de Deus, criam na sua inerrância e que era autoridade última para as nossas vidas. Eles condenaram a interpretação alegórica da Bíblia, costume católico de fazê-lo. Eles acreditavam na clareza das Escrituras e na iluminação do Espírito Santo para a compressão da Palavra, algo que se explica pelo sacerdócio de todos os crentes. O pensamento de Thomas Goodwin resume: “O mesmo Espírito que guiava os santos apóstolos e profetas a escreverem a Bíblia deve guiar o povo de Deus a saber o significado dela; e como Ele a princípio a comunicou, assim Ele deve ajudar os homens a entendê-la”.  Eles defenderam a leitura diária da Bíblia e recomendavam que os crentes deveriam lê-la com reverência e temor. “Pense, em toda linha que lê, que Deus está falando com você”, Thomas Watson.

A educação foi muito enfatizada pelo movimento puritano e, por isso, Leland Ryken reservou o capítulo nove para discorrer sobre o assunto. Ele lembra que Harvard foi fundada por puritanos e mantida, durante seus primeiros anos, parcialmente pelo sacrifício de fazendeiros que contribuíram com trigo para sustentar professores e alunos. O movimento puritano foi muito intelectual e eles valorizavam as artes liberais e incentivava, especialmente os ministros do evangelho, a estudarem não só teologia, mas outras ciências. Os puritanos tinham aversão à ignorância e entendiam que o principal objetivo da educação era levar o estudante ao conhecimento de Deus.

O autor faz-nos lembrar que grande parte dos renascentistas eram puritanos. Em Harvard, os alunos estudavam teologia, botânica, física, astronomia, matemática, poesia, história, filosofia, química e medicina. Platão e Plutarco, por exemplo, eram estudados, mas sempre avaliados à luz da Bíblia. Eles acreditavam que toda verdade vem de Deus e que a revelação natural também fala sobre esse Deus e, por isso, a importância de estudá-la. Conforme Ryken, “a teoria puritana da educação era um todo maravilhoso e integrado. Ela combinava as revelações especiais e naturais de Deus, a Bíblia e o conhecimento humano, a fé e a razão. O currículo incluía tanto a teologia como as artes e as ciências, tanto a Bíblia, como os clássicos”, p. 285.

Os puritanos eram conhecidos pelas pregações, pelo rigor moral, pela erudição, mas também e especialmente pelas suas ações sociais. Eles tinham um espírito comunitário amplo, tinham forte compromisso com o bem comum acima dos interesses pessoais. Eles entendiam que o verdadeiro fim das suas vidas era servir a Deus servindo ao homem. Eles tinham cuidado com as pessoas que estavam na pobreza e alguns deles faziam da alimentação dos pobres uma prática regular. Eles tinham a mesma preocupação com os desempregados, mas repudiavam as pessoas saudáveis que, ao invés de trabalharem, preferiam mendigar. Eles também incentivavam ações públicas contra certas formas de injustiça social e auxiliavam refugiados.

“A caricatura comum dos puritanos como preocupados apenas com os pecados particulares e despreocupados com os pecados sociais é inexata”, conforme Ryken, na página 298 do livro. Os puritanos não acreditavam que as boas obras serviam para a salvação, mas criam e defendiam que o novo nascimento naturalmente resultava em preocupação social. As boas obras são atos de gratidão geradas por uma piedade genuína, acreditavam eles. Os puritanos não outorgavam ao Estado a primazia das ações sociais. Eles mesmos as faziam.

Mas, nem tudo foram flores no movimento puritano. O capítulo 11, penúltimo do livro, mostra alguns absurdos defendidos pelos puritanos e que não devem ser copiados pelos cristãos do presente século. O autor destaca o extremismo dos puritanos, que viam em tudo um motivo teológico; o chauvinismo masculino; a insensibilidade pelas pessoas que não proferiam a mesma fé; a forma como ensinavam a tratar os filhos, com rigor e sem dar chance a eles de raciocinarem por si só; a exagerada moralização; a prolixidade em todos os discursos, em orações, pregações e cultos em geral, como também em outros tipos de reuniões; regras demais em tudo.

Para finalizar o livro, Ryken reservou o último capítulo com um “resumão” do que ele entendeu como o que de melhor foi deixado pelos puritanos. Eles buscavam colocar Deus no centro de suas vidas, tudo na vida pertencia a Deus, eles viam Deus em todos os lugares, em todos os pequenos detalhes e buscavam a santificação. Eram homens esperançosos e tinham o interesse pela praticidade da vida. Eles eram simples, não ostentavam coisas terrenas e tinha uma visão cristã que equilibrava o espiritual e o emocional, sendo a vida cristã obtida pelo conhecimento e pela a prática da Palavra de Deus. Eles tinham um fundamento seguro, que era a Bíblia como revelação fidedigna de Deus. Ryken conclui seu livro com a seguinte frase: “No puritanismo, uma teologia da salvação pessoal foi unida a uma vida ativa no mundo” (p. 362).

O livro foi publicado no Brasil pela primeira vez em 1992. A edição que tenho, de 2013, é fantasticamente linda. Tem um projeto gráfico muito condizente com o conteúdo da obra e conta com imagens de pinturas e ilustrações antigas sobre os puritanos. O livro vale muito a pena ser lido e acabou se tornando um dos meus favoritos. Vale muito a pena pegar os bons exemplos dos puritanos e repeti-los, repudiando sempre as coisas absurdas que defendiam. Hoje consigo compreender melhor a cabeça de alguns líderes que insistem em rebaixar a mulher cristã, o que me leva a crer no desejo pecaminoso deles de quererem reproduzir os erros do passado.

Ficha técnica

Obra: Santos no Mundo: Os puritanos como realmente eram

Autor: Leland Ryken

Editora: Fiel

Páginas: 377

Ano: 2013 (2ª edição)

Preço na editora: R$ 81,90

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